segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Lagoa Real realiza Jornada com Professor Celso Antunes

Por:Gilson Medina / Iguanambi

Focando na boa qualificação profissional e investindo sempre na educação de qualidade, a Secretaria Municipal de Lagoa Real, abriu a jornada pedagógica com chave de ouro, com a presença do renomado Educador e Escritor Celso Antunes que abordou os temas relacionados a missão do professor e seu papel de destaque no aprendizado, levando todos a uma reflexão apaixonante sobre a educação. 

A Secretária Graça Moreira, enfatizou que  a “ jornada é o passo inicial para planejar ações conjuntas que tem permitido a educação de Lagoa Real avançar e este ano, o Professor Celso Antunes ,com sua simplicidade e sua sabedoria nos deu uma enorme contribuição.”

Para o Prefeito Zezinho, “este compromisso de nossa gestão em parceria com a comunidade educacional traz para nosso Município, os avanços que precisamos na educação para, através dela, nos desenvolver em todos os setores.”.

Já o Professor Celso Antunes, agradecendo a oportunidade, frisou “ter ficado encantado em encontrar no interior da Bahia, um espaço de treinamento tão bem elaborado, isso mostra compromisso com a educação.”.

A jornada este ano, tem como temática “Lagoa Real, 25 anos de História, Memórias, Cultura e Educação”, retratando as ricas  potencialidades da educação e da cultura do município.”

O ato solene de abertura contou com a presença do Prefeito Francisco Cardoso (Zezinho), a secretária de educação Maria das Graças Moreira, além de representantes dos Professores, Diretores, Alunos e Conselheiros da área educacional.

A palestra do Professor Celso Antunes contou com a parceria da BIS Comunicação e Comunicar Assessoria.



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

PEQUENOS ERROS, IMENSO DESASTRE


Em muitas coisas Chile e Brasil se aproximam. Não apenas as contingências de se apresentarem na mesma parte do mundo, viveram  também uma história antiga e recente não muito diferente. Mas, há naquele país uma sensível diferença que acorda inveja a todos os brasileiros: No Chile se desenvolve uma educação pública de qualidade, muito acima da média da educação pública praticada no Brasil. A diferença é menos marcante pela forma como se apresenta lá e aqui o ensino e mais, muito mais, pelos efeitos e consciências dessa educação.
O Chile apresenta índices de escolaridade muito acima que o nosso e o mundo inteiro aplaude seu progresso notável como produto de uma educação pública de qualidade.  Mas, o que faz o professor chileno em sua sala de aula, que o brasileiro não faz? Será que poderíamos absorver desse país, novas maneiras de se ensinar? O caráter afirmativo da segunda questão explica a primeira e assim qualquer professor brasileiro, em escola pública ou particular, poderia ministrar aulas segundo o excelente modelo chileno, desde que ousasse empreender algumas mudanças. Simples, mas de resultados claramente assegurados. Vamos, pois, a elas.
A MANEIRA DE SE ACREDITAR NA CIÊNCIA
A Lei da Gravidade, por exemplo, não é “mais ou menos” aceitável, a evolução da espécie humana não representa hipótese de aceitação restrita.  Em Ciência não existe intuição e achismo e sim a verdade que confirma ou que desmente a hipótese e, portanto, se é essencial ensinar um fato cientifico é importante que alunos professores percebam que estão diante de evidências e que o bom senso implica em aceitá-las.
No Chile o ensino das Ciências transita pelo belo caminho das leis, das pesquisas, das especulações e da realidade que se faz verdade e não pelo senso oportunista de se aceitar proposições que não científicas “respeitam o direito de pensar de cada um”.

A MANEIRA DE SE PENSAR A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DAS SÉRIES INICIAIS
Para os pacientes que apresentam maior gravidade em sua patologia é essencial que os assistam os médicos mais competentes. Essa realidade singela, mas realista, que é um dos princípios básicos da medicina vale para a educação chilena, mas é um mito para a educação brasileira. Infelizmente costumamos pensar que quanto mais elementar o nível de informações de um aluno, mas alto pode ser o despreparo de seu professor. Isso é um absurdo, pois é nos primeiros anos de vida que o cérebro mais humano de desenvolve e, portanto, mais requer quem melhor o compreenda e quem de forma mais profissional o estimule. Para os níveis mais elevados de uma pós-graduação, o aluno pode dispensar a ajuda eficiente de um grande mestre, para as séries iniciais jamais.

A MANEIRA DE SE TRABALHAR MÉTODOS DE ENSINO
Nada menos que oito em cada dez professores brasileiros se tivessem que definir o método de ensino que desenvolvem deveriam chamá-lo de “decoreba” ou, de forma mais atualizada, "mnemônico". Esse fundamento, tão antigo quanto as aulas ministradas por Anchieta, impõem aos alunos a repetição do que fala o professor, sem qualquer necessidade de imprimir vocabulário próprio e específico a essa repetição. Quem sabe significativamente, sabe dizer o que sabe de muitas maneiras, mas não é esse o saber de nossos alunos da escola pública que, quando pensam que sabem, sabem repetir sentenças sem vinculá-las a sua realidade, sem fazer dessa aprendizagem um caminho para descobertas de outros saberes. Uma aprendizagem nesse estilo não serve para quase nada, não explora a capacidade de análise e síntese, não impõe análise crítica a generalizações, não aprimora competências. O estudante absorve informações não porque aprenderam analisá-las a luz da razão.

A MANEIRA DE SE PENSAR EM ESTÍMULOS A CRIATIVIDADE
Criatividade é palavra exaltada em todas as escolas do país. Não há quem a condene e nem mesmo quem ponha em dúvida sua importância, mas são poucos os professores que sabem realmente explorar e potencializar a criatividade de seus alunos. Na maior parte das vezes confunde-se criatividade com improvisação e se exalta o aluno que faz coisas de maneira diferente, ainda que faça besteiras e que essa sua maneira original de fazer não tenha qualquer validade. A verdadeira criatividade, todos sabemos, está sempre na base da investigação científica e não se conhece gênio humano que não tenha sido criativo em uma ou várias linguagens, mas uma escola que a explore precisa de professores que conheçam os fundamentos neurocientíficos de sua eclosão e desenvolvimento e, assim, possam a estimular a mente como em boas aulas de Educação Física se fortalecem os músculos. Laboratórios de Criatividade são mais baratos e bem mais eficientes que Salas de Computação que permanecem fechadas por falta de técnicos.

Não se buscou nesta síntese, afirmar que todas as escolas chilenas são melhores que todas as escolas públicas brasileiras e nem mesmo se acreditar que também lá não existam os erros que aqui se buscou sintetizar. A diferença maior se coloca em dois pontos cruciais: o primeiro é aferir que escolas retrógradas são minoria lá e maioria aqui e, talvez mesmo por essa razão, existe pensamento e vontade de transformá-las lá e de ignorá-la por aqui.

SÃO PAULO AGORA É NOVA YORK?

A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo não tem poupado esforços para melhorar o sistema de ensino no Estado e não deixa dúvidas em ir buscar fora do país bons exemplos e modelos que deram certo em outros espaços. Graças a uma parceria com o Instituto Itaú Cultural e o Instituto Fernand Braudel, o governo estadual vai aplicar, na rede de ensino fundamental, um modelo de gestão escolar que foi adotado há oito anos pela Prefeitura de Nova York e que vem apresentando resultados excelentes. A aplicação desse sistema não é para toda rede, mas para dez colégios da capital que apresentaram os piores resultados nas avaliações oficiais, e aonde os alunos chegaram a quarta série sem capacidade para ler um texto simples e sem saber fazer as quatro operações aritméticas básicas.

Se a experiência se mostrar positiva, faz parte dos planos da Secretaria de Educação estender progressivamente o modelo para outras escolas situadas em áreas carentes, tensas e problemáticas. Como essa medida é positiva, a presente crônica sintetiza os fundamentos básicos da reforma escolar de Nova York na esperança de que represente uma idéia não apenas para São Paulo, mas todas as escolas em situação de risco, no país inteiro. É evidente que Nova York é diferente de São Paulo e São Paulo é diferente de muitos lugares do Brasil, por essa razão não se propõe um "modelo", antes uma mostra sem compromisso para que, conhecida, possa inspirar adaptações necessária e implantações imediatas. Vamos, assim, aos fundamentos da reforma escolar de Nova York:

·        Salário diferenciado para professores que aceitem se envolver no projeto e estímulos financeiros significativos sempre que gerassem melhoras nos resultado dos alunos:
·        Facilidades financeiras para professores que aceitassem morar próximo ao local de trabalho;
·        Ampliação das prerrogativas dos Diretores, que passam a contar com a liberdade de elaborar currículos, gerar parte dos recursos e demitir professores faltosos, não motivados e que não se envolvam plenamente no projeto;
·        Criação de uma equipe volante de Coordenadores, percorrendo as escolas para avaliar e capacitar professores com dificuldades;
·        Envolvimento de todo corpo docente em programas de fomento a uma cultura de respeito mútuo entre os alunos;
·        Presença de equipe de segurança especifica, com a finalidade de identificar pontos de conflito e áreas de tensão nos corredores, no pátio e no entorno escolar.
·        Avaliação sistemática dos diretores, com estímulos financeiros pelo sucesso ou advertências por desempenho insatisfatório.
·        Criação de da "Academia de Liderança", um programa de treinamento rápido para aspirantes a diretor.
·        Busca de apoio não governamental para recrutar jovens recém formados e universitários que estejam cursando Pedagogia ou Licenciatura para treinar e depois preencher o quadro docente, em disciplinas para as quais é sempre difícil encontrar professores;
·        Definição de metas periódicas claras e possíveis para diretor, professores, alunos e funcionários administrativos da unidade escolar;
·        Avaliações externas para os alunos, realizadas de cinco a seis vezes por ano e encaminhamento dos mesmos com dificuldades específicas de aprendizagem;
·        Esforço de envolvimento familiar, atraindo os pais à escola e contando com a ajuda dos mesmos na aplicação de sanções disciplinares.

Com essas medidas, a violência diminuiu, o aproveitamento escolar cresceu e o clima de abatimento e desânimo foi substituído por um outro, pleno de metas ambiciosas, sempre dispostas a serem superadas. É claro que nem tudo é possível, mas especialistas em "jeitinho", podemos adaptar essas linhas a nossa realidade e pensar que coragem e decisão podem ser sinônimos de esperança.

Sirva para o que servir


Dezembro de 1955.
Uma mulher negra de 42 anos, Rosa Parks, no estado do Alabama, Estados Unidos, tomou um ônibus quase vazio e se sentou em um dos primeiros lugares. Um pouco mais à frente, o motorista parou o veículo e veio adverti-la para que desse lugar a um branco. Era a lei. Rosa não se mexeu e o motorista a ameaçou.
- "Vá em frente, daqui não saio. Mande me prender!" Rosa foi presa, mas sua coragem transformou-se em um marco na história dos Estados Unidos. Com a divulgação do fato, a comunidade negra de Montgomery decidiu boicotar o serviço de transportes públicos da cidade. Os negros unidos organizaram uma frota autônoma de veículos, deslocaram-se a pé, de bicicleta e estimularam uma troca de caronas. Em dois meses os prejuízos passaram de um milhão de dólares e pouco mais de um ano depois do sucesso do boicote, a Corte Suprema considerou ilegal a segregação imposta pelas companhias de transportes nesse Estado e o líder desse movimento, o pastor negro Martin Luther King Jr, de 25 anos, entrou em um ônibus, sentou-se no banco da frente, e nunca mais um negro nesse país foi obrigado a ceder seu lugar para qualquer branco. Cinqüenta e três anos depois, os Estados Unidos elegeu seu primeiro presidente negro.
Qual a utilidade desse fato? O que com ele se deseja mostrar?
Os fatos marcantes na vida humana, as passagens insólitas que envolvem este ou aquele cidadão comum, não podem ser classificadas como úteis ou inúteis, necessárias ou não. São acontecimentos e seu relato grande ou pequeno se transformaram em episódios da História. Apenas isso ou tudo isso. Mas, o que com ele se deseja mostrar é fácil de ser exposto. A história verdadeira de Rosa Parks e a ação mobilizadora de Luther King vai muito além da circunstância de um local ou de uma época. Serve para mostrar que quando existe consciência de que uma ação transformadora é essencial, torna-se urgente a coesão das idéias para a mobilização da massa e sua união é imprescindível para a conquista de resultados necessários. O fato histórico transcende ao tempo e sirva para que servir pode sugerir inspiração.
Dezembro de 2008.
O que com esse fato se deseja mostrar é que a educação neste belo país precisa mudar. A escola brasileira, hoje avaliada como jamais antes se viu, com raras e distantes exceções é uma escola que não educa, que não ensina e que assim não está pronta para transformar ninguém. Da mesma forma como é fácil comprovar essa certeza também não é difícil conhecer quais caminhos são necessários para que se transforme e se torne transformadora de pessoas. Mudanças plausíveis na estrutura das Secretárias Estaduais e Municipais de Educação se impõem e com essas alterações, torna-se possível mobilizar a ação gestora de escolas pequenas ou grandes, capacitar melhor seus professores, dar asas ao seu currículo e iniciar com iniciativa e alento uma caminhada para a mudança. Em alguns poucos municípios essa mentalidade já se fez ação e os resultados aí estão para a certeza de todos.
Mas, as exceções são poucas e a força contagiante dessas iniciativas restringe-se a poucos lugares. As excelentes escolas públicas brasileiras continuam ilhas de admiráveis e admirados exemplos, mas suas lições são raramente seguidas. É na constatação dessa invulgar certeza que a história da mobilização negra pelos direitos dos passageiros se agigante e a ação insólita de Rosa Parks ganha o desejo de inspiração. Não falta a nossa pobre e ineficaz escola pública idéias admiráveis de algumas transformações a assumir, falta ao professor e a família brasileira a coragem para se mobilizar em única e colossal força e mostrar ao mundo que sabemos e que podemos mudar.

PROFESSOR CASTOR


O professor Castor, na opinião de seus alunos, era um bicho. Não por seu nome, menos ainda por sua braveza e certamente não era assim considerado por ser professor de Ciências, especializado em Zoologia. “Bicho” para seus alunos era apelido nobre e que expressava seu interesse e conhecimento, a paixão com que se entregava ao estudo e compreensão do mundo animal, enfatizando sempre que estes quase nada precisavam aprender com os homens e suas organizações, mas, por certo, teriam sempre muito que ensinar.
Mostrava aos alunos e mesmo aos colegas que o ouviam que o momento mais propício para buscas especiais e investidas mais solenes era sempre no exato instante da “onça beber água”, momento mais definido e crucial que a difusa hora “em que a porca torce o rabo”. Mostrava nas ações do cotidiano de seus alunos, que era inútil sonhar com o momento do “jacaré nadar de costas” ou de tolamente esperar a “cobra fumar”, pois quem por essas ocasiões buscava acabava sempre, por certo, tendo que “pagar o pato”.
Não se limitava apenas a passar a matéria, pois indo sempre além, os ensinava a estudar, pesquisar, refletir e, não raramente meditar, lembrando sempre que os que assim não agiam acabavam descobrindo as imensas dificuldades similares as “da hora em que a vaca vai para o brejo”. Embora a maior parte de seus alunos respeitavam e gostavam muito do Castor, sabia que a unanimidade era improvável e que por certo haviam os que jamais tinham “algo a ver com o peixe” ignorando advertências e conselhos que não cansava de distribuir.
Ciência, dizia Castor, não era dogma e por isso acreditar na mesma significava questioná-la e questionar-se sempre, pensando no que os livros e os professores diziam sem fazer desse crédito confiança irrestrita, verdade inabalável. “Mesmo quanto toda ciência parecia querer firmar suas leis, lembrava Castor, não coma gato por lebre e assim ouse sempre com o beneplácito da dúvida, mais perguntar para melhor conhecer”.
Castor não representava unanimidade entre os colegas, nem era ilimitadamente aceito por todo corpo docente. Alguns até falavam “cobras e lagartos” a seu respeito, dizendo que essa sua mania de transpor o tema para orientar alunos ainda iria levá-lo a “dar com os burros n’água” e que “cão que ladra, nem sempre morde”. Mas, Castor, mesmo sabendo da oposição que às suas costas não poucos lhe faziam, seguia seu ritmo com a serenidade de coruja que sabe que a sabedoria não é herdada, mas que com a “perseverança de um touro” pode ser por todos conquistadas.
Professor diferente, personalidade singular sabia fazer dos temas que tratava textos e contextos para que sem se descuidar do saber, seus alunos soubessem perceber esse conhecimento na rua que atravessavam, nos programas que assistiam nas amizades que faziam. A fábula do “coelho e a tartaruga” ou mesmo a da “raposa e do corvo” se transformavam em capítulo da zoologia e daí se transpunha para a moral, para a filosofia, para a saberia do viver. Quando “estava com a macaca”, e sempre com a macaca esse Castor estava, substituía pontos de exclamação por desafiadores pontos de interrogação, ensinando seus alunos a refletir, mostrando que saber que realmente vale é saber que na vida se aplica.
Sorria de seus desafetos e não se importava dos apelidos que recebia. Seguia sua rota com a coragem do “leão”, a esperteza do “lobo” e os sonhos da “águia”, pois íntimo compreendia que “afinal de contas passarinho não come pedra”.

O avesso da inclusão


O tema "inclusão" está em moda.
Lamentavelmente é assim. A expressão da cultura educacional por estes lados do mundo exalta determinados modismos, assuntos da vez, temas emergentes e não raramente importantes, mas que por algum período são falados, escritos e discutidos por todos em toda parte, mas que não escapam de um certo ciclo vital que os relega para o esquecimento tempos depois, como moda passageira. Foi assim com o "construtivismo", logo depois com o "construtivismo interacionista", depois com "as inteligências múltiplas", apareceram os tempos das "competências" e agora parece ser chegada a hora da inclusão. O assunto aparece com destaque em toda reunião pedagógica, as poucas revistas pedagógicas abrem-lhes edição especial, congressos e seminários são repetitivamente organizados para apresentá-los. Algum tempo depois, o tema da moda é por outro substituído e seus fundamentos prosseguem apenas para alguns poucos, refletidos neste ou naquele lugar. Agora o tema da moda é a inclusão.
A inclusão, abrindo direito à educação para todo aluno seja qual for sua dificuldade ou deficiência, em seu sentido mais amplo parece ser idéia que não admite contestação. Todo ser humano, por mais severas que sejam suas limitações é educável e a escola verdadeira é toda aquela que a todos se abre e a todos oferece igual possibilidade de progresso, ainda que trabalhando de forma profissional e responsável as diferenças, sejam elas quais forem. Mas, nem por isso, a questão inclusiva escapa de uma análise crítica onde é possível aplaudir seu "lado direito", mas criticar com rigor seus excessos, protestar contra seus desvios. É esta a finalidade crítica deste artigo.
O lado direito da inclusão é aquele que fala de oportunidades para todos e que identifica a diversidade como forma de riqueza, jamais castigo. Esse mesmo lado enfatiza que todos somos essencialmente diferentes e que não são aceitas fórmulas para estabelecer a normalidade e a anormalidade. Anormal é crer que a diferença deve ser elemento de discriminação e assim a falsa escola elege quem acolhe como plausível e discrimina e afasta todos quantos se distanciam dos padrões de um critério grotesco, perverso e exclusivista.
O triste avesso da inclusão é a tolice de se crer que como não existe a anormalidade é essencial que todos se nivelem e, dessa forma, bons e ruins são semelhantes, esforçados e negligentes são iguais. De maneira sutil, mas persistente começa se instituir como verdadeiro valor da escola nos tempos de agora a crença absurda de que exaltar o bom implica em denegrir o fraco, aplaudir o esforço é extremamente perverso e segregacionista para quem é indolente.
Essa tolice afasta a educação brasileira das melhores do mundo e gera falsos argumentos para defender indolentes. Temos uma educação entre as piores do mundo? Paciência. É mais importante ser feliz que ser sábio, como se pudesse existir felicidade autêntica sem sabedoria; demonstramos redundante fracasso esportivo nas Olimpíadas de Pequim? Paciência. Deus não quis que nossos atletas alcançassem o pódio. Ao refletir sobre a arrogância da exclusão, resolvemos incluir a todos para que o êxito de alguns, não magoassem o esforço dos demais e com essa mentalidade olhamos nossos fracassos não mais como alerta para providências, mas como contingência de que acolhemos heróis e vagabundos com igual distinção. Fracassar, errar, tropeçar e abandonar-se ao lazer deixou de ser prova de fraqueza e medida de acomodação covarde para se transformar em valor digno de aplauso tão expressivo quanto se dedicar com afinco, buscar o sucesso sempre, planejar caminhos viáveis para conquistas sempre maiores.
O avesso da inclusão é se acreditar que fraqueza, insucesso e covardia são destino, não indiferença, preguiça ou omissão.

COMO NÃO CONFUNDIR INTELIGÊNCIA COM CAPACIDADE OU COMPETÊNCIA


Toda pessoa adulta goste ou não do sabor, sabe o que é alho e muito provavelmente já ouviu, pelo menos uma vez na vida, o provérbio “não confunda alhos com bugalhos”, mas poucos se dão conta do que, afinal de contas, significa “bugalho”. Buscando essa palavra em um dicionário, aprendi que “bugalho” é a excrescência de qualquer parte do vegetal, produzida pela ação de fungos ou de insetos. Em outras palavras, o provérbio popular sugere que se separe o produto desejado, no caso o alho, sem confundi-lo com algum caroço de discutível semelhança.
Esse provérbio, de uma certa forma, se ajusta à teoria das inteligências múltiplas e solicita, portanto, que não se confunda o conceito de “inteligência” com o de “competência”, “habilidade” ou ainda com conceito de “construtivismo que já analisamos outras vezes.
Não há mesmo razão alguma para confundi-los.
Inteligência constitui um potencial biopsicológico que no ser humano ajuda-o a resolver problemas. Dessa forma representa atributo inato à espécie e assim nascemos com nossas diferentes inteligências, cabendo ao ambiente no qual se inclui naturalmente a escola, mais acentuadamente estimulá-las.

A “competência” não é inata e, portanto, constitui atributo adquirido.

Representa a capacidade de usar nossas inteligências, assim como pensamentos, memória e outros recursos mentais para realizar com eficiência uma tarefa desejada. Se ao buscar um destino qualquer descobrimos que a estrada foi interrompida, nossas inteligências levam-se a essa constatação e a certeza de que se deve buscar outra saída, mas a forma como faremos determina o grau de competência da pessoa. Como se percebe, a competência é a operacionalização da inteligência, e a forma concreta e prática de colocá-la em ação. Assim posto, ao trabalhar as diferentes inteligências humanas, pode o professor ativar diferentes competências. Percebe-se dessa maneira que a noção de “competência” surge quando aparece ou é proposto um problema, pois este desafio é que mostrará a forma melhor em superá-lo. Superar um problema com competência, entretanto, não implica que tenhamos habilidade para fazê-lo.

habilidade é produto do treino e do aprimoramento de nossa destreza.

Para que esses conceitos se ajustem a prática, desenvolvamos o seguinte exemplo: o automóvel que nos leva a praia empaca em meio à estrada; nossas inteligências detectam esse problema e a necessidade em superá-lo. Se tivermos competência para isso, apanhamos a caixa de ferramentas e colocamo-nos em ação, se não temos que ao menos tenhamos uma outra competência, a de chamar depressa um mecânico. Supondo que saibamos consertar a peça defeituosa e, dessa forma, resolvendo de forma pertinente o problema que nos empaca, o faremos com maior ou com menor habilidade. Se o problema é histórico em nosso carro e em nossa vida, provavelmente já conquistamos habilidade maior em substituir ou consertar a peça defeituosa.

Levando-se esse exemplo para sala de aula, podemos ao ensinar um ou outro conteúdo explorar suas implicações lingüísticas, lógico-matemáticas, espaciais, corporais e outras. Podemos ainda, propondo desafios e arquitetando problemas, treinar competências nossas e de nossos alunos, verificando que alguns as usam com notável habilidade, outros com habilidade menor que, com persistência poderá crescer.

O trabalho com inteligências múltiplas em sala de aula pressupõe uma reflexão construtivista, voltada para o despertar progressivo de competências e sua transferência para vida prática através do desenvolvimento de muitas habilidades que aos poucos se aprimora. Essa concepção se opõe a idéia de que o saber transfere-se de uma pessoa para outra como algo que estando pronto vem de fora e se encaixa na mente do aluno.

Enfoque irrestrito: aprendizagem

Ninguém tinha dúvidas porque era unânime a garantia de excelência daquele hospital.

Não era o mais suntuoso e nem maior na cidade, mas era um espaço de saúde excelente porque existia um pacto não escrito entre todos quantos ali trabalhavam. O hospital enfocava com prioridade irrestrita sua atenção à saúde de seus pacientes. Todos os médicos, todos os enfermeiros e mesmo o pessoal da manutenção e limpeza haviam apreendido o que era possível saber sobre a qualidade da saúde e a buscavam em todos os momentos, em qualquer circunstância. A sala cirúrgica aparecia como verdadeiro templo para dedicação integral e irrestrita de todos que ao lado do paciente ali entravam, mas esses mesmos cuidados se refletiam no apreço e higiene sem limites nos quartos, nos corredores, no jardim e no refeitório, nas pessoas e nas coisas. Mais ainda, devidamente orientados pela Direção, todos os funcionários acompanhavam com dedicada atenção seus pacientes e todos os momentos, inquirindo-os sobre seus anseios e seus medos, buscando suprir suas necessidades, mesmo que pequenas.  Se em todo ambiente prevalecia atenção irrestrita à saúde, melhor se sabia que os mais agudos cuidados, desenvolvidos pelo mais atentos profissionais, surgiam nas UTIs, onde os melhores médicos cuidavam dos pacientes mais graves. O hospital se destacava por seu enfoque irrestrito: a busca da saúde, mesmo admitindo que havia casos onde não mais era possível restituí-la.

Ninguém tinha dúvidas porque era unânime a garantia de excelência daquela escola municipal.

Não era a mais rica do município, ao contrário se instalara em área bastante carente, e ninguém ousava ao observar seu prédio compará-lo com o das escolas particulares, nos bairros mais afortunados. Tornara-se, entretanto, um espaço educacional excelente desde quando a Diretora que ali chegara, tinha empreendido esforços para criar entre todos os professores e funcionários um pacto, não necessariamente escrito, de enfocar a aprendizagem como prioridade irrestrita, como busca da meta de se superarem sempre nos resultados da Prova Brasil e do ENEM e até mesmo no, mais difícil que estes, sistema de avaliação própria que criaram para todos os alunos.

As salas de aula, sempre quando o clima permitia, funcionavam de portas escancaradas e se insurgiam como um verdadeiro templo na dedicação integral de todos os professores para que todos os alunos progredissem sempre, ainda que respeitando diferenças individuais. Sabiam que esse pacto não funcionária na prática se não se fizesse acompanhar de um planejamento minucioso, onde eram claras as metas instituídas, semana por semana. Mais ainda, onde quer que um professor encontrasse um aluno à busca de saber, instigava-o com desafios, propunha perguntas propositivas, sugeria livros, indicava entrevistas, sentava-o ao seu lado, por minutos, na busca através da Internet ou em qualquer banco, existente na biblioteca e em todo corredor. Da mesma forma como um médico não é profissional apenas na sala cirúrgica e dessa forma se preocupa por seus pacientes onde quer que os encontre, também os professores e outros profissionais sabiam que um clima de aprendizagem significativa somente se instala, quando o aluno a percebe, como vontade de todos, manifesta em toda parte. Em qualquer canto da escola havia sempre a oportunidade de um novo aprender: O vaso de flores não é interessante laboratório de Ciências? A experiência e a longa história de vida do porteiro Arnaldo, funcionário mais antigo, não representava referencial importante para pesquisa histórica? O lugar em que a escola situava não era intrigante espaço geográfico? As anedotas, notícias e brincadeiras nos murais de todas as salas não representariam momento único no exercício da língua portuguesa e estrangeira? A quadra de esportes não refletia a matemática nos movimentos e suas estatísticas? Não era possível enxergar dimensões da arte no forro, nos azulejos, nos canteiros bem cuidados?

Se em todos os ambientes prevalecia a atenção irrestrita à aprendizagem, melhor se sabia que os mais agudos cuidados, desenvolvidos pelos professores mais competentes, surgia nas ULis e UMIs, neologismo que se inventara para as Unidades de Leitura e de Matemática Intensiva, para onde se encaminhavam todos os alunos que revelassem alguma deficiência na sua leitura compreensiva e no poder de perceber a aprendizagem matemática na significação desse saber nas compras que se fazia, nas propagandas comerciais, embutidas de juros, resgatas nos jornais e na TV. Da mesma forma como em um excelente hospital, a presença do aluno nessas unidades específicas era por tempo indeterminado, até que se restabelecesse as trilhas da aprendizagem dos demais.

Existem, é claro que existem, hospitais assim e existe, com toda certeza, escolas desse mesmo jeito. O que surpreende e entristece é que se assim escolas e hospitais todas e todos podem ser, porque somente alguns em verdade, assim o são?

O big bang da criatividade


O valor da criatividade é incontestável.

A agitação no mundo em que vivemos, o celular que nos acompanha, a televisão que transporta todos por todos os lugares e a medicina que garante sobrevivência, a quem anos atrás pela mesma não poderia esperar, não estaria a nosso alcance sem mentes criativas que ousaram olhar para onde ninguém jamais olhara. Se aceitarmos uma breve fuga da rotina e sonharmos com mundo sem a criatividade, regressaríamos no tempo e nossa espécie pouco representaria no universo de muitas outras espécies biológicas. A criatividade é tudo, sem ela quase nem existe o resto.

Mas, a criatividade não brota no cérebro humano em todas as idades.

Existe hoje a certeza científica de que para um certo grupo etário a criatividade flui sem nenhuma pressão, aparece e se expande quase sem custo algum. Essa idade admirável é a que envolve as crianças na educação infantil. Dispondo de um ambiente que, mesmo modesto, possa instigar desafios e dispondo de mediadores interessados, as crianças nessa idade são curiosas, intrigadas por tudo quanto ouvem ou vêem prontas para experiências de qualquer tipo e mesmo com simplória estimulação criam e recriam sem qualquer promessa de recompensas materiais. O “Big-Bang”, a explosão da criatividade, tal como luz divina, aparece na vida uma única vez e não se reproduz jamais.

Não se pretende com essa colocação afirmar que não existiram ou não existem gênios criativos na idade da educação formal ou até mesmo depois. É evidente que a descoberta científica imprescindível e a invenção tecnológica que movimenta o mundo foram e são produzidas por adultos, mas toda força criativa que em todas as idades se exibe, apareceu em um breve momento e seu portador contou com o privilégio de ter essa semente acolhida e cuidada e por essa razão em outras idades continuou a mesma florescer. Não é sem razão que o genial Picasso afirmou “Não foi difícil desenhar como Rafael, mas levei quase uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança” e nem é mesmo surpreendente que o não menos genial Freud tenha observado “Quando eu era jovem, as idéias vinham a mim; à medida que envelheço, tenho que procurá-las”.

Diante da certeza desses fatos, o papel de pais e de professores ao se depararem com crianças é o de manter vivas suas mentes, de estimulá-las com persistência, de não deixar passar o tempo e, com tristeza, lamentar não ter dado a atenção que toda mente criativa, nessa fase, necessita tanto. Mas, qual é essa atenção? Como ajudar para que essa explosão de criatividade não se amarre e que as sementes desse breve instante possam iluminar a mente pela vida afora?

Poucas são as crianças que não adoram um circo, um passeio diferente, uma sala antiga que se transformou em uma espécie de museu, uma feira de atrações que se pode explorar livremente. Quando dispõem de um adulto que lhe excite a curiosidade com perguntas desafiadoras e propostas originais, adoram descobrir um jardim, correr pela grama, abraçar árvores e ouvir histórias em que são transformadas de ouvintes em protagonistas. As portas da criatividade são abertas para sempre quando pais e professores assumem a coragem de desligar a rotina da televisão ou a monotonia do ensino formal e desafiar a criança para caminhar observando, aprender a escutar e contar com a orientação de olhos que as ajudem a ver de maneira diferente, de ouvidos que descubram a múltipla diversidade dos sons. Nada ajuda mais essa admirável explosão que um envolvente convite para se assistir um nascer ou um por do Sol, a imensa aventura de se compartilhar o assar de um pão, a ousadia de plantar uma árvore em um aniversário significativo, de se fazer uma pesquisa no Zoológico ou Jardim Botânico, de descobrir o segredo de se dançar uma música antiga de maneira bem lenta, até mesmo de se agradar, com suave carícia, um gato ou cachorrinho ou da imaginável aventura de descobrir encantos em todo lábio que sorri.

Todo adulto que interroga, desafia, sugere, propõe, anima, incita e provoca a curiosidade é sempre um jardineiro de idéias, um escultor de mentes criativas. São boas almas que libertam pensamentos criativos, que pela vida afora não se perdem mais.

Crianças inteligentes & ratos espertos


O acaso não poucas vezes inventa saltos mágicos para a ciência, mas esse valioso impulso tem valor ainda maior quando acontece com cientistas com ansiosa busca por respostas.

É sobre um desses acasos mágicos e cientistas curiosos que esta crônica pretende discutir.

Em 1963, um grupo de pesquisadores de diferentes universidades norte-americanas estudavam o comportamento de ratos de laboratório, identificando os que consideravam “inteligentes” pela facilidade com que escapavam de labirintos de madeira, e os considerados “apáticos” pela enorme dificuldade que enfrentavam para desafios iguais. Perceberam que alguns desses ratos divergiam não só por sua esperteza, mas por diferenças cerebrais expressivas. Descobria-se que algumas características físicas dos córtices cerebrais dos ratinhos interferiam de forma significativa em sua capacidade de aprender a solucionar desafios.

Foi nesse contexto que o acaso ajudou a ciência com um salto inesperado.

Donald Hebb, um desses cientistas, estudava ratos “espertos” e ratos "bobos" no laboratório da Universidade Mc Gill, mas tinha também, para agrado de seus filhos pequenos, alguns desses animaizinhos em casa. Certo dia, sem mais nem menos, resolveu levar os ratos de casa para seu laboratório e submetê-los aos mesmos desafios dos que lá viviam.

Para sua surpresa, os ratos que viviam livremente em seu lar se saíram bem melhor nos desafios do labirinto, que os treinados em laboratório, levando Hebb a conclusão de que isto se dava porque em sua casa, cheio de corredores, escadas e crianças, os ratos eram submetidos a bem mais desafios e viviam em ambiente muito mais estimulante que os treinados na monotonia do laboratório.

A partir dessa observação, cientistas de Berkeley tiveram a idéia de criar ratos em ambientes distintos, constituído por uma gaiola “desafiadora” cheia de brinquedos, corredores e obstáculos onde 12 ratos disputavam o espaço e uma outra gaiola calminha, sem desafios e estímulos e com apenas um rato solitário. Após diversas experiências análogas foi possível examinar o cérebro desses animais e constatar que os criados na “gaiola desafiadora” possuíam química cerebral bem mais densa que os outros, como provável resultado dessa estimulação. Mais ainda, com a repetição da experiência com inúmeros outros grupos de ratos e quando estes foram mortos e seu cérebro examinado, percebiam-se variações na espessura do córtex cerebral chegando a ser cerca de seis por cento mais espesso que o córtex dos ratos criados em ambientes pouco estimulantes.

Essa diferença anatômica na espessura mostrava-se extremamente significativa e explicava a diferença entre ratos “inteligentes” e os "bobalhões". Um pouco mais tarde, uma oura neurologista Marian Diamond, repetiu experiência análogas com outros nove animais diferentes, sempre com idênticos resultados, inaugurando uma série de pesquisas que culminariam com construção da idéia de que nos animais e nos seres humanos, a importância do ambiente e seus estímulos é extremamente sensível tanto na alteração elétrica e química como na alteração anatômica do cérebro.

Começava se firmar uma descoberta científica admirável que explicaria o que o bom senso já desconfiava: a esperteza é fruto do desafio e não apenas da hereditariedade.      Tinha razão o poeta, quando há tempos meditava sobre a educação da mente infantil."... tudo quanto se grava e quanto ali se escreve, cristaliza em seguida  não apaga mais".

A professora de sensibilidades


Nicole ministra aulas em uma escola pública no período matutino e à tarde trabalhava como secretária em uma escola particular. É professora de Língua Portuguesa e por força de seu ofício ama as palavras e coleciona sentenças. Em suas aulas, nos recados que jamais esquece de deixar na prova de seus alunos e até mesmo nos singelos avisos que anotava para si mesmo ou para o quadro da parede, nunca se limitava a transmitir apenas a informação. Uma regra que jamais deixava de obedecer era da clareza e da objetividade e assim pensava duas vezes em o que escrevia para olhar pelos olhos de possíveis leitores reconhecendo a lucidez da certeza e a síntese na informação. Mas, para Nicole o mais importante em seu papel como mestra e em sua ação como gente era menos a forma e mais a sensibilidade com que a emoldurava. Dizia sempre:
- Habilidade é importante, mas habilidade sem sensibilidade é quase nada.
Nicole tem razão e é uma pena que outros professores não pensem seus pensamentos. Não apenas professores de sua disciplina, mas professores de qualquer disciplina. Estendendo sua opinião a outros contextos, seria certo afirmar que para a Geografia e para a História, para a Matemática e para as Ciências assim como para o estudo das Artes, das Línguas Estrangeiras e outra disciplina mais, existe uma quase obsessiva preocupação dos professores em desenvolver a habilidade, esquecendo-se da sensibilidade.
Habilidade todo professor ensina, mesmo quando não sabe que está ensinando habilidade. Ensinamos habilidades quando ensinamos a ler, interpretar, somar, comparar, medir, justificar, classificar, sintetizar. Ensina-se habilidade quando se informa que foi Pedro Álvares Cabral e não outro quem descobriu o Brasil, quando se diz que a Lua é satélite da Terra e o contrário está errado ou quando se afirma que a água do mar é salgada pelo sal que por bilhões de anos, lentamente, os rios levaram. Assim, habilidades são não apenas conteúdos que se aprende, mas operações que se usa para melhor compreendê-los e para fazer com que se contextualizem na vida que se vive. É inegável que as habilidades são importantes e que escola que não as ensina, não pode ser chamada de escola.
Sensibilidade é diferente de habilidade e nem todas as sensibilidades possíveis se apreende na escola, ainda que para Nicole seja essencial que o ensino das habilidades venha sempre junto com as experiências da sensibilidade.
Sensibilidade é cheirar, tocar, escutar. É ver, degustar. É claro que uma criança que não aprende verbos jamais sabe quando os emprega, ainda que saiba dizê-los. Saber verbos é, por exemplo, conquistar uma habilidade, entre outras tantas que na escola se conquista. Mas, como sempre afirma Nicole, de que vale conjugar um verbo sem sentimento, de que vale memorizar um poema inteiro, guardando-o na memória, mas jamais o dizendo com emoção, pronunciando-o com a alma à flor da pele?
Nicole nunca deixou de materializar os exemplos em que comparava a habilidade com sensibilidade. Escolhia um belo poema de Olavo Bilac, de Castro Alves, Guerra Junqueiro ou Fernando Pessoa e lia-o em voz alta para seus alunos. Mas, sua leitura era fria, distante, dita com voz metálica e pensamento ausente. É claro que raros alunos podiam querer conquistar os versos ditos por Nicole e assim aprender essa habilidade. Mas, logo depois, a professora retornava ao poema e dizia-o outra vez, mas agora com paixão, ardor, intensidade. Fazendo-se o poeta em sua mágoa ou sua alegria, em sua paixão ou seu desencanto.
Os alunos de Nicole, pouco se interessavam com sua primeira leitura. Percebia que versos ditos sem paixão e sentimento é apenas mensagem para se decorar, mas arregalavam os olhos na segunda leitura e não poucas vezes riam ou choravam nas palavras do poeta, interpretados pelo sentimento de sua professora. Reconheciam que habilidade sem sensibilidade é quase nada.

Mamãe, o que é uma prostituta?


Existe na dimensão da pergunta de uma criança uma porção de ponderações úteis e uma pitada de educação. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que é absolutamente essencial que as crianças perguntem muito, perguntem sempre. A curiosidade é o combustível essencial da inteligência e crianças que jamais ou raramente perguntam apresentam deficiências que exigem superação. Mais ainda, não pode existir para uma criança perguntas válidas e perguntas proibidas, perguntas aceitáveis ou perguntas que não se deve responder. Toda pergunta de uma criança é sempre uma ação legítima e o papel de pais e educadores é em todas as circunstâncias e oportunidades possíveis instigar a criança a perguntar, provocando sua curiosidade, iluminando sua argúcia.

Uma outra ponderação que a questão instiga é sobre a resposta. Como responder perguntas imprevisíveis? Como explicar questões que envolvem sexo, procedimentos incomuns, drogas e traficantes? Jamais acreditar que a criança “ainda não tem idade para saber a resposta” e assim atirá-la à frente. Quem tem idade para perguntar, está na idade certa para acolher uma boa resposta.

Por outro lado é também impossível imaginar catálogo que abrigue todas as dúvidas que povoam a mente infantil e, assim, o melhor procedimento para a resposta deve sempre levar em conta alguns fundamentos:

·         A resposta necessita ser verdadeira.

·         A resposta deve aferir a idade da criança, o contexto cultural em que vive e sua efetiva capacidade de atribuir significados ao que ouve. Uma resposta formal não compreendida plenamente não é resposta e, assim, é essencial que quem educa conheça o universo vocabular e a estrutura de pensamento de quem interroga.

·         É inteiramente válida uma resposta do tipo: “Não sei! Vamos buscar essa resposta? Será que um dicionário pode nos ajudar? Que tal telefonarmos agora para a vovó que sempre sabe responde? Vamos fazer juntos, essa pesquisa?”.

·         A resposta jamais pode enveredar-se pela exclusão e traduzir opiniões preconceituosas. O “bom” e o “mau”, o “certo” e o “errado”, o “bonito” e o “feio” são elementos extremamente subjetivos e se é legítimo que um adulto possa julgar e opinar representa imperdoável covardia e erro educacional grave passar para a criança com a resposta os preconceitos excludentes que como vício se carrega.

·         A resposta jamais pode enveredar para generalizações, do tipo “Toda prostituta...” “Todo alemão...”. “Todo judeu”, etc. É essencial para a formação de um ser humano, desde pequeno, perceber a beleza da individualidade e a tolice perversa que generalizações impróprias sempre traduzem.

Esses fundamentos, entretanto, podem dar estruturas as eventuais respostas que se dará, mas não atende a necessidade imediata do desafio proposto pelo título. Não há como responder o que é uma prostituta sem se saber o universo vocabular e cultural da criança que interroga, mas é possível uma resposta verdadeira, não preconceituosa e nem generalista e assim esclarecedora. Caminho melhor para esses desafios foi o que desenvolveu a excelente diretora de Escola Municipal que conheci.

Em uma reunião com os docentes e depois em uma outra com pais, fez cuidadoso levantamento de todas perguntas infantis possíveis. Com esse vasto material, não se impôs como quem sabia as respostas, mas aproveitou a reunião pra com bom senso e consenso debatê-la e assim instituí-las. Quando essas reuniões terminaram, nenhum pai ou professor saiu com respostas “na ponta da língua”, mas saiu seguro de que haviam aprendido buscar em si mesmo como respondê-las.

De aluno comum a estudante espetacular


Esta crônica se inspira em uma simples e rápida pesquisa que concluí. Durou menos de dois minutos e por essa razão se sugere que não a aceite, sem antes também fazê-la.

Apanhe um livro qualquer, dando preferência à literatura. Pode ser um romance, contos, podem ser crônicas. Tenha ao lado um relógio, preferencialmente com ponteiros, e registre o tempo que gastou para ler uma página. Não se trata de teste de leitura dinâmica e menos ainda qualquer processo competitivo e, assim, leia com calma e serenidade, refletindo sobre as idéias expostas e a conexão entre os períodos. Quanto tempo se gastou? A velocidade varia muito conforme as dificuldades do texto e a experiência do leitor, mas oscila entre um a dois minutos, permitindo dessa forma que se acredite que um minuto e meio é o tempo necessário para se ler, de maneira compreensiva, cerca de cento e setenta palavras por minuto.

Imagine agora uma pessoa que assuma o compromisso de investir quinze minutos – apenas quinze minutos diários – para se dedicar à leitura. Essa pessoa estará lendo dez páginas por dia, cerca de cem páginas em dez dias. Como em média os livros editados no país possuem cerca de 200 páginas é fácil concluir que esse dedicado leitor possa estar lendo nada menos que um livro a cada vinte dias, nada menos que 18 livros por ano.

Façamos agora uma pausa nessas reflexões e nos perguntemos o que de verdadeiramente útil e essencial cabe no espaço de 15 minutos diários. Uma atividade aeróbica ou uma caminhada pelo campo? Uma imersão reflexiva na profundidade de uma novela ou de uma peça teatral? Um esforço direcionado para a aprendizagem de uma língua estrangeira? Os trabalhosos cuidados para higiene corporal, maquiagem e arrumação da roupa que se vai usar? Salvo situações verdadeiramente excepcionais e até mesmo dignas de livros de recordes, os quinze minutos diários seriam muito poucos para qualquer uma dessas ou ainda de muitas outras atividades.

A qualidade de vida que hoje felizmente tanto se propala requer pelo menos o dobro desse tempo para uma atividade aeróbica, o quádruplo para capítulo inteiro de novela, bem mais que isso para a aprendizagem de uma língua e, sobretudo em se tratando de minha mulher, pelos menos duas horas ou mais para que se considere apressadamente arrumada. Nada contra o investimento no tempo gasto para essas atividades, pois a boa qualidade de vida exige a todos quantos podem do mesmo tempo dispor, mas a conclusão simples de que bem menos que o tempo que gastamos para muitas coisas, precisaríamos gastar para enriquecer o cérebro, viajar pelos sonhos, superar desafios, aprender saberes.

Não se está usando os minutos contidos nesta pesquisa para se dar um recado ou uma indireta aos professores que alegam nunca dispor de tempo para ler; afinal de contas se você chegou a esta linha é porque não se inclui nesse grupo, mas para que se tenha uma serena conversa com os alunos, mostrando pelo desafio estatístico que ler muito e ser excelente requer bem menos tempo que a primeira vista se imagina.

Talvez não se perceba com claro discernimento entre nossos alunos os que gastaram trinta minutos de seu dia em atividades corporais, mas todos os professores e os colegas, todos os familiares e os vizinhos distinguem com nítido orgulho quem leu e compreendeu, com metade desse investimento em tempo, cerca de sessenta obras em seu ciclo escolar.

Família Diferente


Fiquei uma semana som ver o Thomas. Como o feriado do dia 12 com o outro do dia 15 sugerisse emenda, a escola diz que “antecipou” lições e concedeu folga à turma. Thomas aproveitou para aceitar o convite de praia e assim passou alguns dias em Ubatuba, com seu amigo Rolf e seus pais. Veio cheio de novidades:

- São legais, Celso, muito legais. Mas são também muito diferentes...

- Diferentes  em que quê? Thomas. Explique melhor. Sei que esse seu amigo é europeu e quando ainda bebê seus pais vieram morar em nossa Terra. Você quer dizer que a culinária é diferente? São diferentes, por acaso, as roupas que usam?

- Não Celso. Comem mais ou menos a mesma coisa que a gente e também se vestem de maneira normal, mas são diferentes porque a vida deles parece girar em torno dos livros. São atentos a tudo e a qualquer momento param de ler, para atender o que a gente pede. Mas, se vão para a praia a primeira coisa que pegam é o livro e na casa deles existem livros em toda parte. Parece até um novo tipo de decoração. Livro no banheiro e até aí acho normal, mas também livro no terraço, na sala, nos quartos e até mesmo na cozinha. Incrível.

- E o Rolf, Thomas? Também gosta de ler?

- Gostar, Celso? Acho que já não é nem gostar. Aquela turma tem é paixão pela leitura. Outro dia, a mãe do Rolf lá na praia perguntou se ele tinha trazido o Bloqueador Solar e ele, envergonhado, voltou correndo para pegar, mas o livro o cara não esqueceu. Fiquei pensando “uma cara branquelo como ele, vem a praia e esquece o bloqueador, mas não esquece sua leitura”. Nunca vi uma família assim tão vidrada!

- E você acha isso errado, Thomas?

- Não acho errado, acho que eles são diferentes. Quando os pais conversam com os filhos, quase sempre falam dos livros que estão lendo e na viagem descobriam nas pessoas que passavam os personagens de suas leituras. Achei engraçado que o Rolf e a sua irmã nunca disseram que os pais os obrigam a ler. Não liam por obrigação, liam pro prazer. Liam para brincar com as palavras, para imaginar e para imaginar-se, para sonhar.

- E na escola Thomas? Como é o desempenho desse seu amigo Rolf? E da irmã dele? Devem ser ótimos em literatura, não?

- São ótimos em tudo. Sabem tudo, opinam sobre tudo. Tem hora que o assunto vai para o futebol, todo mundo tem palpite, mas o Rolf tem opinião. Sabem coisas da nossa política que nos nem imaginamos e vivem com os olhos grudados no mundo.
- São legais, Celso, muito legais. Mas são também muito diferentes...

O giz e o bisturi


Giz e bisturi são instrumentos que diferem muito.

Um é metálico, outro não. O giz tem duração limitada, enquanto um bom bisturi pode durar bastante. O giz custa quase nada e por isso quando utilizado, restos não aproveitados são jogados fora ou se transformam em artefatos de guerras na brincadeira entre alunos, o bisturi é caro e seu uso implica em assepsia e cuidado. Não se pode conceber professor sem giz, mesmo em espaços onde se anuncia lousa eletrônica, não se pode pensar cirurgião sem bisturi, apesar de toda tecnologia e avanço que caracteriza um moderno centro cirúrgico.

Mas, giz e bisturi possuem também alguma analogia.

São apenas instrumentos e nada podem sem ação e intenção de quem os usa. Um giz largado e esquecido na margem da lousa não serve para  quase nada, não ensina ninguém; um bisturi guardado em seu belo estojo ou esquecido em mesa cirúrgica não salva paciente, não ajuda a preservar vida de quem quer que seja. O giz sem o professor é quase nada, o bisturi distante do cirurgião possui discutível utilidade. O que torna o giz capaz de pensamentos e a ousadia da compreensão e da significação é seu uso pelo professor, o que torna o bisturi recurso essencial de salvação e muitas vezes esperança de preservação de vida é o cirurgião.

É por essa razão que o bisturi reúne em sua insensibilidade material o tudo ou o nada, o poder ou a ausência. Por igual motivo, também o giz é recurso mineral que sem o manejo do mestre é peça inútil ou faz milagres ao sensibilizar razões, determinar esperanças. Um bisturi mal usado é um perigo e se transforma em arma, mas não será por acaso uma arma também o giz mal utilizado?

Médicos admiráveis são verdadeiros santos em sala cirúrgica com bisturi na mão; mestres essenciais são mágicos autênticos em sala de aula, segurando o giz. Impossível saber qual recurso é mais importante; mas facilmente comparável sua grandeza quando envolvem intenções sinceras, propósitos essenciais.

Um grande professor em sala de aula e manejando seu giz é como um médico essencial, em centro cirúrgico, com bisturi na mão.