quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Enfoque irrestrito: aprendizagem

Ninguém tinha dúvidas porque era unânime a garantia de excelência daquele hospital.

Não era o mais suntuoso e nem maior na cidade, mas era um espaço de saúde excelente porque existia um pacto não escrito entre todos quantos ali trabalhavam. O hospital enfocava com prioridade irrestrita sua atenção à saúde de seus pacientes. Todos os médicos, todos os enfermeiros e mesmo o pessoal da manutenção e limpeza haviam apreendido o que era possível saber sobre a qualidade da saúde e a buscavam em todos os momentos, em qualquer circunstância. A sala cirúrgica aparecia como verdadeiro templo para dedicação integral e irrestrita de todos que ao lado do paciente ali entravam, mas esses mesmos cuidados se refletiam no apreço e higiene sem limites nos quartos, nos corredores, no jardim e no refeitório, nas pessoas e nas coisas. Mais ainda, devidamente orientados pela Direção, todos os funcionários acompanhavam com dedicada atenção seus pacientes e todos os momentos, inquirindo-os sobre seus anseios e seus medos, buscando suprir suas necessidades, mesmo que pequenas.  Se em todo ambiente prevalecia atenção irrestrita à saúde, melhor se sabia que os mais agudos cuidados, desenvolvidos pelo mais atentos profissionais, surgiam nas UTIs, onde os melhores médicos cuidavam dos pacientes mais graves. O hospital se destacava por seu enfoque irrestrito: a busca da saúde, mesmo admitindo que havia casos onde não mais era possível restituí-la.

Ninguém tinha dúvidas porque era unânime a garantia de excelência daquela escola municipal.

Não era a mais rica do município, ao contrário se instalara em área bastante carente, e ninguém ousava ao observar seu prédio compará-lo com o das escolas particulares, nos bairros mais afortunados. Tornara-se, entretanto, um espaço educacional excelente desde quando a Diretora que ali chegara, tinha empreendido esforços para criar entre todos os professores e funcionários um pacto, não necessariamente escrito, de enfocar a aprendizagem como prioridade irrestrita, como busca da meta de se superarem sempre nos resultados da Prova Brasil e do ENEM e até mesmo no, mais difícil que estes, sistema de avaliação própria que criaram para todos os alunos.

As salas de aula, sempre quando o clima permitia, funcionavam de portas escancaradas e se insurgiam como um verdadeiro templo na dedicação integral de todos os professores para que todos os alunos progredissem sempre, ainda que respeitando diferenças individuais. Sabiam que esse pacto não funcionária na prática se não se fizesse acompanhar de um planejamento minucioso, onde eram claras as metas instituídas, semana por semana. Mais ainda, onde quer que um professor encontrasse um aluno à busca de saber, instigava-o com desafios, propunha perguntas propositivas, sugeria livros, indicava entrevistas, sentava-o ao seu lado, por minutos, na busca através da Internet ou em qualquer banco, existente na biblioteca e em todo corredor. Da mesma forma como um médico não é profissional apenas na sala cirúrgica e dessa forma se preocupa por seus pacientes onde quer que os encontre, também os professores e outros profissionais sabiam que um clima de aprendizagem significativa somente se instala, quando o aluno a percebe, como vontade de todos, manifesta em toda parte. Em qualquer canto da escola havia sempre a oportunidade de um novo aprender: O vaso de flores não é interessante laboratório de Ciências? A experiência e a longa história de vida do porteiro Arnaldo, funcionário mais antigo, não representava referencial importante para pesquisa histórica? O lugar em que a escola situava não era intrigante espaço geográfico? As anedotas, notícias e brincadeiras nos murais de todas as salas não representariam momento único no exercício da língua portuguesa e estrangeira? A quadra de esportes não refletia a matemática nos movimentos e suas estatísticas? Não era possível enxergar dimensões da arte no forro, nos azulejos, nos canteiros bem cuidados?

Se em todos os ambientes prevalecia a atenção irrestrita à aprendizagem, melhor se sabia que os mais agudos cuidados, desenvolvidos pelos professores mais competentes, surgia nas ULis e UMIs, neologismo que se inventara para as Unidades de Leitura e de Matemática Intensiva, para onde se encaminhavam todos os alunos que revelassem alguma deficiência na sua leitura compreensiva e no poder de perceber a aprendizagem matemática na significação desse saber nas compras que se fazia, nas propagandas comerciais, embutidas de juros, resgatas nos jornais e na TV. Da mesma forma como em um excelente hospital, a presença do aluno nessas unidades específicas era por tempo indeterminado, até que se restabelecesse as trilhas da aprendizagem dos demais.

Existem, é claro que existem, hospitais assim e existe, com toda certeza, escolas desse mesmo jeito. O que surpreende e entristece é que se assim escolas e hospitais todas e todos podem ser, porque somente alguns em verdade, assim o são?

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