quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Crianças inteligentes & ratos espertos


O acaso não poucas vezes inventa saltos mágicos para a ciência, mas esse valioso impulso tem valor ainda maior quando acontece com cientistas com ansiosa busca por respostas.

É sobre um desses acasos mágicos e cientistas curiosos que esta crônica pretende discutir.

Em 1963, um grupo de pesquisadores de diferentes universidades norte-americanas estudavam o comportamento de ratos de laboratório, identificando os que consideravam “inteligentes” pela facilidade com que escapavam de labirintos de madeira, e os considerados “apáticos” pela enorme dificuldade que enfrentavam para desafios iguais. Perceberam que alguns desses ratos divergiam não só por sua esperteza, mas por diferenças cerebrais expressivas. Descobria-se que algumas características físicas dos córtices cerebrais dos ratinhos interferiam de forma significativa em sua capacidade de aprender a solucionar desafios.

Foi nesse contexto que o acaso ajudou a ciência com um salto inesperado.

Donald Hebb, um desses cientistas, estudava ratos “espertos” e ratos "bobos" no laboratório da Universidade Mc Gill, mas tinha também, para agrado de seus filhos pequenos, alguns desses animaizinhos em casa. Certo dia, sem mais nem menos, resolveu levar os ratos de casa para seu laboratório e submetê-los aos mesmos desafios dos que lá viviam.

Para sua surpresa, os ratos que viviam livremente em seu lar se saíram bem melhor nos desafios do labirinto, que os treinados em laboratório, levando Hebb a conclusão de que isto se dava porque em sua casa, cheio de corredores, escadas e crianças, os ratos eram submetidos a bem mais desafios e viviam em ambiente muito mais estimulante que os treinados na monotonia do laboratório.

A partir dessa observação, cientistas de Berkeley tiveram a idéia de criar ratos em ambientes distintos, constituído por uma gaiola “desafiadora” cheia de brinquedos, corredores e obstáculos onde 12 ratos disputavam o espaço e uma outra gaiola calminha, sem desafios e estímulos e com apenas um rato solitário. Após diversas experiências análogas foi possível examinar o cérebro desses animais e constatar que os criados na “gaiola desafiadora” possuíam química cerebral bem mais densa que os outros, como provável resultado dessa estimulação. Mais ainda, com a repetição da experiência com inúmeros outros grupos de ratos e quando estes foram mortos e seu cérebro examinado, percebiam-se variações na espessura do córtex cerebral chegando a ser cerca de seis por cento mais espesso que o córtex dos ratos criados em ambientes pouco estimulantes.

Essa diferença anatômica na espessura mostrava-se extremamente significativa e explicava a diferença entre ratos “inteligentes” e os "bobalhões". Um pouco mais tarde, uma oura neurologista Marian Diamond, repetiu experiência análogas com outros nove animais diferentes, sempre com idênticos resultados, inaugurando uma série de pesquisas que culminariam com construção da idéia de que nos animais e nos seres humanos, a importância do ambiente e seus estímulos é extremamente sensível tanto na alteração elétrica e química como na alteração anatômica do cérebro.

Começava se firmar uma descoberta científica admirável que explicaria o que o bom senso já desconfiava: a esperteza é fruto do desafio e não apenas da hereditariedade.      Tinha razão o poeta, quando há tempos meditava sobre a educação da mente infantil."... tudo quanto se grava e quanto ali se escreve, cristaliza em seguida  não apaga mais".

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