terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Alienação


Encontro-me com o Thomas, vizinho do 98. Ele espera os amigos que virão apanhá-lo para uma festa, eu o Teobaldo da Vozes, que deverá levar-me para palestra no interior do São Paulo. Tomo a iniciativa...

- Oi Thomas, tudo bem. Como vai a escola. Superando com facilidade os limites do Ensino Médio que você tanto temia?

- Oi Celso, sem problemas. Pensei mesmo que mudando de escola enfrentaria alguma dificuldade, mas está tudo caminhando bem. É fácil e creio que sem qualquer dificuldade termino o ano sem recuperação...

- E como vai a Geografia? Creio que as aulas estão “fervendo” não? A passagem do Katrina arrasando o sul dos Estados Unidos e os tufões que assustam o Japão devem estar rendendo muitas perguntas. Não estão?

- Que nada, Celso. A professora está na África e quando perguntamos sobre esses assuntos, falou-nos que somente daqui alguns meses chegaria na América ou na Ásia. Portanto, disso nada sabemos...

- Bem, mas as aulas de História devem estimular debates. No país inteiro não se fala de outro assunto que o problema da corrupção que parece, infelizmente, varrer o país de norte a sul. Vocês têm discutido esse tema?

- Não. Nossa professora está na Idade Média e já avisou que não aceita “matação” de aula sobre outros assuntos...

- Se a professora assim pensa, que fazer? Mas em Língua Portuguesa nada se fala sobre o que os jornais comentam, sobre o que as revistas semanais ilustram?

- Nada disso, Celso. Nosso professor de literatura empacou no parnasianismo e recusou discutir temas atuais, dizendo que o tempo corre e que não podemos perder aulas com questões da atualidade...

- Mas, espera aí. Não se dá aula de gramática e a gramática não pode ser vista nos jornais e corrigida nas entrevistas de políticos e de jogadores? As aulas de Biologia, por acaso não estão discutindo as leis de Mendel, esquecendo-se que a atualidade clama por debates sobre bioética, aborto, eutanásia, transgênicos, mutação genética? Será que nas aulas de Química não surgem exemplos da culinária, modelos extraídos da degustação? Será que os lances de futebol ou do vôlei não podem ajudar a explicar os movimentos dos corpos e através da interdisciplinaridade sinalizar que física e biologia se encontram? Será que as aulas de Educação Física não levam pela ação, o aluno a descobrir a importância das atividades aeróbicas, os fluxos da respiração?

Thomas deve ter me tomado como maluco e agradeceu a carona que chegando, depressa o levou daquela torrente de ponderações. Pior que ele, senti-me maluco também, pois onde já se viu papo de escada, interrogar sobre temas de educação. Thomas, seu pai confidenciou-me depois, não gostava da escola apesar de sair-se bem e nesse particular se identifica com a maior parte dos estudantes que não gostam de suas escolas e que acham “muito chata” as aulas que recebem. Creio que Thomas também me acha “um chato” pois fico interrogando-o sobre o mundo em que vive, mas não conhece, sobre o tempo em que pensa que está, mas na verdade não está. Não há porque reclamar da chatice da escola, pois creio que muitos professores ainda que saibam bem sobre o que falam, nada sabem sobre alienação. Alienação, Hegel, mostrou muito bem é um estado vivido por muitas pessoas para as quais o mundo parece constituído de coisas independentes uma das outras e indiferentes à consciência. Alienadas são criaturas apáticas que passam pelo mundo sem o viver, pensam que vivem seus tempos, mas vive um permanente agora.

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