terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Um "ET" em minha sala (I) - O que aprender


Encontrei uma pesquisa interessantíssima no livro “Os jovens e o saber” organizado por Bernard Charlot, e editado em 2001 pela Artmed, de Porto Alegre. No capítulo “O jovem, a escola e o saber: uma preocupação social no Brasil” destaca um trabalho de pesquisa organizado sob a forma de oficinas de produção de textos, verbais e não-verbais, realizados entre alunos de 13 e 17 anos de idade, que vivem em bairros de baixa renda na cidade de São Paulo e estudam em escolas públicas. A maior parte desses alunos apresentam defasagem na relação idade/série, a maior parte deles não trabalha regularmente ou possuem empregos temporários ou informais.

A esses jovens se prepôs uma questão essencial: “Imagine o que você sentiria se um belo dia encontrasse em sua casa um ET sentado no sofá da sala. (...) A missão dele é levar para seu planeta de origem a experiência de vida dos terráqueos. Então, ele tem uma semana para aprender tudo sobre nós e sobre os conhecimentos que consideramos importantes para a vida. O que você acharia importante ensinar-lhe? Quem poderia ensinar? Onde ele poderia ir para aprender? Como ensiná-lo? Você poderia fazer tudo o que quisesse e achasse que valeria a pela para ele aprender”.

As repostas apresentados por esses alunos, ainda que não surpreendente, parece constituir um alerta importante para todo professor. Em verdade, as entrelinhas da pergunta interrogavam se o que esse aluno efetivamente aprende é o que acredita importante e essencial e que, no lugar de seus professores, ensinaria a alguém para os desafios da adaptação e da sobrevivência. E o que esses alunos responderam?

Suas respostas buscaram, por paradoxal que possa parecer, as tradicionais disciplinas escolares, não mais prisioneiras de um programa estúpido e alienado. Em outras palavras, não seria necessária a criação de outros cursos ou outras disciplinas, mas cada disciplina trabalhando com os pés na Terra, ensinando conteúdos com “cheiro de vida” e plenamente contextualizados nos desafios cotidianos que essa vida propõe. Assim, solicitaram:

·         Comunicação e socialização (falar a “nossa linguagem”, falar o português para andar na rua, ler e escrever, respeitar as leis de trânsito, trabalhar, namorar, fazer sexo, casar e ter filhos).

Caso esse conteúdo que reclamam se incluísse em uma disciplina escolar, esta disciplina não poderia ser a Língua Portuguesa e, eventualmente, uma Língua Estrangeira? Claro que sim. Um currículo autêntico e verdadeiro precisaria fugir do rebuscamento de um conteúdo distante e mergulhando-se na vida e na realidade, ensinasse aos alunos ler e compreender, falar e entender. Desejavam também:

·         Cuidados pessoais (vestir-se, ir ao médico e ao dentista regularmente, andar sempre limpo, tomar banho, alimentar-se corretamente, usar camisinha, não usar drogas).

Percebe-se nesta procura a busca pelas Ciências, o estudo da Biologia. Ainda uma vez não Ciências distantes da vida e envolta pela erudição, mas na verdadeira ciência que em toda cozinha se encontra, em todas as ruas se vê. Os alunos pesquisados ensinariam ao ET o que queriam aprender e, por isso, pediam:

·         Usufruir o lazer divertir-se, jogar bola, andar de bicicleta, nadar, passear, freqüentar festas, etc.

Não seria este o apelo por uma Matemática e uma Educação Física mais realista, plenamente contextualizada em necessidades autênticas e reais? Viver, por acaso, não é superar problemas e quem melhor que a matemática pode simular esses problemas e ensinar a esse aluno que os números não existem apenas para a intelectualidade, mas para a vida viver. Finalmente, ensinariam:

·         O relacionamento humano e os afazeres de todo dia, como se relacionar com o outro, percebê-lo em si e também mexer com máquina, lidar com a eletricidade, dirigir veículos.

Ainda que pareça distante, em verdade uma nova roupa que se vestisse a História, Arte e Geografia poderiam aproximar esses conteúdos, dos que os jovens ensinariam aos Ets. Existe disciplina mais próxima do relacionamento e do distanciamento humano que os estudos sociais? Não se aprende o dia a dia de hoje na análise desse cotidiano de ontem? Não se estuda bem o “aqui”, conhecendo melhor o que “ali” se faz?

O resultado dessa pesquisa parece ser bem maior que o que a primeira vista sugere. Parece sintetizar um apelo para que os professores reflitam e transformem o que ensinam e descubram a magia e a surpresa de sua disciplina no caminho que se faz, no dia a dia que se vive, no outro com o qual se convive.  Basta querer.

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