quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Anna Lúcia


- Sabe o que é Celso? Eu adoro minha mãe. Gosto dela muito mais que parece que gosto e tenho até raiva de dizer isso para você e ficar envergonhado de dizer isso a ela. Minha mãe é até capaz de pensar que não gosto, porque vivo reclamando. Mas, sabe Celso, eu reclamo muito porque ela também nunca pára de reclamar. Vive pegando no meu pé, avisando que é hora de estudar, dizendo para não sentar como gosto de sentar, para desligar a TV na hora que mais gosto de curtir. Tudo bem, até acho minha mãe muito certinha e me sinto seguro de ver com sua segurança, como ela valoriza as regras, mas "caramba", não existe folga, nunca recebo elogio. Se tiro uma nota boa, acham que é minha obrigação, se tiro nota ruim a culpa nunca é da avaliação mal feita ou do professor, sou sempre eu que não cumpri o que pediu. Amo minha mãe, Celso, mas sinto que o sufoco é grande e tem dia que até me engasga só de pensar o que lá em casa me espera. Você acha que estou errado?

- Eu acho Thomas, que você exagera. Creio que a Anna, sua mãe, ama você tanto quanto você a ama e se, como você diz, vive pegando no seu pé é justamente porque como mãe, olha à frente e por experiência sabe que o mundo real que todo dia se precisa ler, não é apenas o mundo que um cérebro adolescente constrói e acredita. Sua mãe, meu amigo, está certa. Você não percebe que não se vive sem regras, não se cresce sem “nãos”. Sem regras não existe a competição no esporte, a glória na luta, o sucesso nos estudos. Como você acha Thomas, que deveria ser sua mãe?

- Eu penso Celso, que gostaria de ter a mãe que tem o Fernando. A Lúcia, mãe dele, faz tudo que o Fernando quer, vive elogiando seu filho e quando ele não se sai bem nesta ou naquela tarefa, ao invés de broncas, traz palavra de carinho, consolo de um presente, alegria de um passeio ao Shopping para comprar alguma coisa. Acho a Lúcia um modelo de mãe e, como já disse, adoro a minha, mas gostaria que essa maneira de escutar sempre o filho e sempre elogiar sua conduta fosse alguma assim como uma mania que contagiasse a minha mãe. Você conhece a Lúcia, Celso?

- Claro que conheço Thomas. Não é nossa vizinha do 32? Mas, penso que você exagera e é claro projeta nessa mãe, algumas atitudes que gostaria de ver na sua. Não creio que bem eduque quem educa apenas com aplausos e premiações. A vida não é só isso que se vê e, quem nos garante que lá na frente o Fernando não tenha que conviver com patrões exigentes, com superiores enérgicos e se mostre despreparado. Sabe, Thomas, quem nunca ouve um “não” acaba não sabendo dizer-se “não”! E somente torna-se adulto de verdade, quem sabe compreender a renúncia, sabe conter sua ansiedade, sabe pautar a vida por degraus que se alternam no subir e no descer. Será que estou errado, meu amigo?

- Não sei Celso. Não tinha pensado dessa maneira. Sei lá, talvez você tenha razão e nas horas de maior aperto gostaria de ter uma mãe como a Lúcia, mas sinto que o Fernando não parece preparado para desafios maiores. Creio que você tem razão Celso. Não existe mãe perfeita...

E lá se foi o Thomas, mergulhado em sua angústia, preocupado com as cobranças que viriam, invejando o Fernando que não é. Em pé, na Portaria do prédio, no aguardo da condução, atrevi-me discordar do jovem amigo. Pode ser que não existam mães perfeitas se tomarmos a palavra “perfeição” em um sentido divino e irreal, mas se a perfeição abrigar veleidades terrenas creio que uma boa mãe é nem tanto Anna, com sua amargura empedernida, nem tanto Lúcia com a doçura sem limites. Quem sabe, talvez uma Anna Lúcia.

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