quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Ivete


Aos poucos, os professores foram chegando. O ano letivo ia recomeçar e a Diretora, Ivete, havia marcado uma reunião com todos, alguns antigos, muitos novos. O tema da reunião "Aula".
Estranharam esse tema. Afinal, porque uma reunião que por certo ocuparia mais de duas horas para discutirem o que estavam cansados de saber? Mas, em se tratando da Ivete, como afirmavam os mais velhos, todos os temas seriam previsíveis, quaisquer assuntos rendiam acalorados debates. Pouco antes da hora marcada a Diretora chegou vestindo tênis sem meia e surrada calça Jeans e, sentando-se na beirada da mesa, anunciou o início da reunião.
-          Vou ministrar uma aula. Imaginem que são alunos de quatorze ou quinze anos e que eu uma nova professora. Não é necessário tomarem nota, afinal vai acontecer apenas uma simulação, mas estejam atentos.
E assim dizendo, cumprimentou-os como professor que entra em sala e foi, com fluência e graça discorrendo sobre um assunto, a notícia de todos os jornais da manhã que falavam do brutal assassinato de influente político. Foi clara, lúcida, didática e esgotou a notícia por inteiro, não deixando de colocar-se por alguns instantes como advogada que defendia o crime, para logo depois, mostrar que outra posição era inteiramente possível. Sua explanação mostrou que todo tema merece dúbia interpretação, que sempre é possível contextualizá-lo ao mundo que se lê e que a clareza torna-se mais ampla, quando quem expõe usa linguagens diferentes. Em vinte minutos concluiu, avisando...
-          Bem turma, agora vou tomar meu café e em dez minutos estou de regresso. Gostaria que vocês debatessem tudo quanto está errado na aula que dei. Façam de conta que devem analisar a estrutura da aula dada e afirmar se essa professora que simulei seria ou não contratada por você.
Minutos depois estava de volta. Dirigindo-se aos professores, começou com a Marisa, mestra antiga e respeitada. - Bem, Ivete. Creio que na aula não existe defeito, penso que serve de lição para que todos nós possamos em uma explanação trabalhar habilidades, acordar competências, perceber linguagens, contextualizar assuntos...
-          Que é isso, Marisa? Você me desaponta. Reparou na postura da professora? Percebeu suas atitudes, seu traje, sua forma de conduzir a aula. Querida, deixe de bajulações e pense que essa professora erra em muitos pontos. Fala agora você Rui, que está chegando à escola. O que achou de errado na aula que assistiu?
-          Bem, dona Ivete. A única crítica que eu faria seria justamente essas que a senhora fez. A professora foi excelente na exposição, mas não guardou postura de respeito, não soube se impor pelo orgulho de seu cargo...
-          Desculpe-me caro Mestre, mas sua bondade me assusta. Você afirma que a professora foi excelente na exposição? Meu Deus, ela apenas expôs! Onde se percebeu o envolvimento, o protagonismo do aluno? Além disso, reparou que o saber trazido em aula pertencia à mestra que o passou aos alunos, não os envolvendo em desafios para que junto esse saber se construísse? Caro amigo, sei que sua experiência deve fazê-lo descobrir falhas horríveis, mas que por educação as omite. Continuemos. O que vocês acharam do "Método" utilizado pela professora? Até que ponto foi realmente capaz de desafiar os alunos, fazendo-os pensar? Mostrou serenidade? Pensou nas diferenças? Foi professora de todos os centralizou-se em alguns?
E, por aí prosseguiu surpreendendo sua equipe, mas com extrema dignidade e paciência ensinando-os a ver e levando-os a descobrir nas aulas que iriam ministrar, a essência da critica que constrói, a imperiosa necessidade de se refletir sobre o que se faz, para sempre melhor fazer.

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