quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O sagrado e o profano na missão do professor


-      Aceita um bom café quentinho, menina?

-         Claro que aceito. Café em dia frio é coisa sagrada para mim?

-         Engraçada essa palavra “sagrada”. Pelo que sei, vem do latim “sacrare” e significa algo como prestar um serviço à Deus, realizar ato de fé ou cumprir preceitos de uma religião. Com o tempo, a palavra assumiu sentido mais amplo e cai bem até mesmo para saudar o cafezinho quente que estou oferecendo.

-         Pois é, Mestre, por incrível que possa parecer a palavra “sagrada” assumiu ares “profanos”, e desta maneira serve até para coisas que nada tem a ver com a religião. Interessante essa caminhada das palavras pelo tempo e as roupagens que pouco a pouco vão assumindo. Mas, parabéns seu café está realmente excelente...

-         Não sei Lúcia se posso concordar com você. Tenho sérias dúvidas se realmente é assim tão fácil separar o sagrado do profano, realmente sempre me pergunto se não existe algo de religioso no café que se serve, na laranja que brota no pé, no aroma que se desprende de suas flores. Mesmo no seu trabalho como professora, existem momentos de ação profana, nem por isso dispensáveis, e momentos de ação sagrada, e por essa razão imprescindíveis.

-         Vamos lá, Mestre. O que poderia ser “profano” no trabalho de ensinar?

-         A consciência de que todo professor é um profissional como outro profissional qualquer e como tal, faz jus a direitos trabalhistas, a bom salário, reconhecimento, férias remuneradas e tudo mais quanto a legislação de seu país e estado lhe outorga. Como todo profissional é digno de respeito, exerce uma atividade porque estudou e estuda sempre e assim honra um diploma pelo qual exige ser honrado, jamais confundindo apelos à sua singela abnegação ou obrigações extras, ao desconhecimento de que possui direitos. Professora, como dizia Paulo Freire, não é “tia”, pois “tia” não requer férias, não reivindica a união da classe, não se organiza sindicalmente, não protesta pelas horas extras em que em nome de sua abnegação é chamado a exercer, enfeitando uma sala ou organizando uma festa. Essa consciência profissional é legítima, ainda que profana e porque assim é jamais pode ocultar o lado sagrado que envolve a missão de todo verdadeiro professor...

-         E qual é esse lado, Mestre?

-         A certeza de que possui uma profissão imprescindível, de que de sua ação no cotidiano se constrói o mundo em que se viverá. A imensa fé e crença de que sem professores uma sociedade não inventa médicos ou engenheiros, não faz surgir arquitetos ou mecânicos. Impossível saber como será o futuro, mas é certo admitir que será da forma como os professores e sua fé imperdível em seu trabalho o construirá. Existe algo ao mesmo tempo mágico e divino na tarefa de ensinar e professor algum pode renunciar a essa imensa vontade e a fortaleza dessa crença, manifesta na renúncia do eu pelo outro em todo dia, no cuidadoso preparo de qualquer aula, na atenção a qualquer criança. O verdadeiro professor não pode ser guiado pela frieza de uma visão somente profana, mas também não pelo idealismo ingênuo de ser manipulado por sua crença autêntica...

-         O sagrado e o profano em uma só ação, em só ato e em uma só pessoa?

-         É isso aí, Lúcia!

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